sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Hongerwinter e a resposta genética


        O desenvolvimento cientifico teve respaldo na observação dos fenômenos naturais, tanto ocorridos no ambiente, como em organismos vivos, ou melhor como o ambiente influencia os organismos vivos e vice-versa. A bioquímica se ocupa também na analise a partir da observação de fenômenos em organismos vivos e a forma como o meio pode vir a alterar essas reações. Os princípios da analise médica também segue essa linha de raciocínio, buscando quais mudanças de hábito ou ambientais interferiram de modo a provocar mutações e doenças. Diversas vezes a história anda de mãos dadas com a ciência.


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      Existe uma passagem pouco conhecida da segunda guerra mundial, mas nem por isso menos dramática, conhecida por Hongerwinter, ou “Inverno da Fome”. Após o desembarque dos aliados nas praias da Normandia, já quase no final do conflito (1944-1945), episódio conhecido por Dia D, o exército alemão se reagrupou no oeste da Holanda cortando os suprimentos para a população civil. Como consequência os habitantes dessa região só podiam contar para seu sustento com o que pudessem extrair da terra. Mas isso não foi tudo, para o agravamento da situação as condições climáticas desse ano foram severas, com um inverno longo e bastante rigoroso, o que logo prejudicou qualquer forma de cultivo da terra. Ainda, como tática de guerra o exército nazista dinamitou os diques holandeses e boa parte das terras férteis foi inundada, isso para evitar que os aliados utilizassem esse território como corredor para invadir a Alemanha. Toda essa situação acarretou que entre setembro de 1944 e os primeiros meses de 1945 aproximadamente 22.000 holandeses morressem de fome e as sequelas nos sobreviventes se estendessem por pelo menos uma geração.

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         Retornando ao exposto no primeiro parágrafo, a ciência se debruça a observar os fenômenos, e por sua severidade, o Hongerwinter representou um experimento macabro. Durante as últimas décadas cientistas se debruçaram no estudo dos efeitos da fome severa nos sobreviventes desse terrível episódio. De particular interesse foi a análise das consequências da desnutrição no desenvolvimento do cérebro e na cognição das crianças que nasceram ou foram concebidas nesse período. Entre muitos outros resultados os cientistas observaram que a desnutrição pré-natal aumentou o risco para o surgimento tardio (durante a adolescência ou fase adulta) de alterações patológicas e comportamentais como Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), autismo e, fundamentalmente, esquizofrenia. E afinal, qual a relação da desnutrição infantil e da fome geral que assolou a Holanda no Inverno da Fome com a obesidade? Uma grande quantidade de estudos sugere que condições ambientais desfavoráveis a um genitor podem afetar – negativamente – a saúde das gerações subsequentes. Por exemplo, mulheres holandesas que estavam grávidas durante esse período tiveram filhos e netos que eram incomumente pequenos ou propensos à diabetes ou obesidade.

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        Alguns cientistas suspeitam que estes efeitos sejam passados adiante através de mudanças epigenéticas. O termo epigenética é relativo às mudanças reversíveis e herdáveis do genoma funcional que não alteram a sequência de nucleotídeos do DNA. Em outras linhas, fazem parte da epigenética o estudo de como os padrões de expressão são passados para os descendentes, a investigação da mudança de expressão espaço temporal de genes durante a diferenciação de um tipo de célula e também o estudo de como fatores ambientais podem gerar alterações na maneira como os genes são expressos. A pesquisa na área da epigenética inclui implicações em agricultura, na biologia e em doenças humanas, incluindo o entendimento sobre células-tronco, câncer e envelhecimento.
        Anteriores estudos de associação ampla de genoma (GWAS, Genome-Wide Association Studies) identificaram um grande número de variantes genéticas para a obesidade e seus traços relacionados, o que representa um grupo de potenciais genes-chave na etiologia da obesidade. Emergiram evidências que sugerem que epigenética pode desempenhar um papel importante na obesidade . O excesso de peso pode causar alterações genéticas. O estudo foi feito pelo epidemiologista genético Shaoyong Su, da Georgia Regents University, nos Estados Unidos.
         Quantas vezes você não viu uma família em que grande parte são “gordinhos”? A ciência já sabia que a obesidade pode ser hereditária, além disso, estudos recentes indicam que a alimentação gordurosa pode causar alterações genéticas, ou seja, os maus hábito alimentares e o ambiente podem provocar alterações em certos genes. Ao analisar parte do genoma de 703 pessoas obesas, magras e com sobrepeso, o pesquisador percebeu que o gene LY86 sofreu uma metilação, que é uma forma de o corpo se ajustar ao seu ambiente, nos estudos Shaoyong Su encontrou a consistência química do LY86 altamente alterada, ou desnaturada, nos indivíduos obesos. "A associação é sólida; a metilação deste gene é importante para a obesidade" segundo ele.
          Isso significa que houve uma mudança química no genoma, como se fosse uma forma do organismo se adaptar ao "novo" ambiente. Essa metilação ocorreu em bebês de mulheres que estavam gravidas durante o Hongerwinter, essa mudança genética aconteceu para que eles conseguissem sobreviver nesse cenário calamitoso da fome, provocando essa maior propensão ao acumulo de triglicerídeos, importante reserva de energia. Quando o país superou a crise, essas crianças apresentaram um risco elevado de desenvolver diabetes, doenças cardíacas e outros problemas de saúde. Todas doenças relacionadas a quadros de obesidade, a alta metilação de LY86 também foi associada com aumento da inflamação - um fator de risco para uma variedade de doenças, tais como doenças cardíacas e câncer -, bem como a resistência à insulina, uma causa de diabetes.
            Através desse cenário apresentado, é possível identificar que a obesidade também deriva de fatores que são inatos ao indivíduo – fatores genéticos – que geram uma maior facilidade em adquirir peso, no entanto isso não implica na maioria dos casos, que a pessoa venha a desenvolver a doença crônica, caso tenha uma vida saudável.


Referências:



http://pt.wikipedia.org/wiki/Carestia <acessado em 28 de novembro de 2014>;

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4090018/ <acessado em 28 de novembro de 2014>;



http://gru.edu/institutes/gpi/su.php <acessado em 28 de novembro de 2014>;


  

8 comentários:

  1. A questão da saúde da mãe pode, sem dúvidas, afetar diretamente a saúde do filho, no caso do inverno da fome o organismo materno predispôs os fetos a se prepararem a uma grande fome. Como a guerra terminou os triglicerídeos que se acumulariam mais facilmente para enfrentar a fome, se acumularam e desencadearam sintomas de obesidade. Os aspectos genéticos da obesidade são estudados e, alguns, conhecidos. Recentemente, certos defeitos genéticos foram associados à obesidade, entre os quais se incluem as mutações no gene da leptina, no receptor da melanocortina-4, na enzima de clivagem da cadeia lateral do colesterol e no PPAR gama, um fator de transcrição. Fatores comportamentais dos pais também se associam ao ganho de peso dos filhos: Um estudo realizado junto de 226 famílias pela Plymouth's Peninsula Medical School , e citado ontem no site da BBC, refere esta influência da obesidade das mães nas filhas e dos pais nos filhos, atribuindo-a a questões comportamentais.

    Fonte:http://corporate.roche.pt/informacao-saude/info_obesidade/genetica_obesidade.html
    http://www.dn.pt/inicio/ciencia/interior.aspx?content_id=1307319

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. A obesidade é analisada como um transtorno de etiologia múltipla, onde o acúmulo de gordura corporal excessiva proveniente de um determinado estilo de vida, alterações neuroendócrinas, aliados aos componentes genéticos expõem o indivíduo a se tornar obeso. Até mesmo a vontade de exercitar-se está relacionado aos genes.
    A questão do inverno, retratada no texto, atua como um agente indireto de seleção natural, tendo em vista a expressividade negativa em genes da prole.
    Recentemente, certos defeitos genéticos foram associados à obesidade, entre os quais se incluem as mutações no gene da leptina, no receptor da melanocortina-4, na enzima de clivagem da cadeia lateral do colesterol e no PPAR gama, um fator de transcrição.
    Não obstante, a saúde voluntária da mãe, entendida esta como o que a mãe faz por consciência, deve ser acompanhada por profissionais da saúde durante todo o período gestacional e de primeira infância, tendo em vista a necessidade de conscientizar os pais acerca da dieta gestacional, os riscos de exposição a algumas substâncias, bem como a necessidade da alimentação exclusiva nos 6 primeiros meses de vida, garantindo à criança uma condição mais estável de saúde, assim como fortalecendo o seu quadro geral imunológico.

    FONTE:
    http://www.tuasaude.com/obesidade-genetica/

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  4. Obesidade genética é o que os cientistas definem quando a mãe por ter uma alimentação errada durante a gravidez dá a luz um bebê predisposto a ser uma pessoa obesa. O destaque deste estudo científico aponta para o perigo da má alimentação das grávidas, sendo responsável para o desenvolvimento de uma obesidade genética. Quando a grávida consome uma grande quantidade de carboidratos, principalmente açúcares durante a gestação, há uma alteração genética no bebê e este já nasce com predisposição para tornar-se obeso, ainda na infância. Isso alerta para a necessidade de orientar melhor as grávidas a terem uma alimentação saudável rica em frutas, legumes, verduras e carnes branca, diminuindo ao máximo o consumo de guloseimas para que as crianças nasçam mais saudáveis. Durante a gravidez uma alimentação saudável e bastante variada faz com que os bebês tenham mais saúde, sendo mais resistentes a vírus e infecções.
    http://www.tuasaude.com/obesidade-genetica/

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  5. Muito interessante a abordagem relacionando o Hungerwinter e a obesidade. A acumulação excessiva de tecido adiposo (obesidade) deriva de um aporte calórico excessivo e crônico de substratos combustíveis presentes nos alimentos e bebidas (proteínas, hidratos de carbono, lipídios e álcool) em relação ao gasto energético (metabolismo basal, efeito termogênico e atividade física). Nessa acumulação intervêm, tanto os hábitos alimentares e de estilo de vida, os fatores sociológicos e as alterações metabólicas e neuro-endócrinas, como os componentes hereditários. Neste sentido, os genes intervêm na manutenção de peso e gordura corporal estáveis ao longo do tempo, através da sua participação no controle de vias eferentes (leptina, nutrientes, sinais nervosos, entre outros), de mecanismos centrais (neurotransmissores hipotalâmicos) e de vias aferentes (insulina, catecolaminas, sistema nervoso autônomo (SNA). Assim, o balanço energético, do qual participam a energia ingerida e a energia gasta, parece depender cerca de 40% da herança genética, podendo afetar ambas as partes da equação energética (apetite e gasto). Os progressos científicos indicam que existe uma base genética transmissível, implicada na manutenção de um peso corporal estável, através dos seguintes mecanismos: 1) no controle de péptidos e monoaminas implicados na regulação do apetite; 2) nas variações do metabolismo basal, no efeito termogênico dos alimentos ou na atividade física espontânea e 3) na regulação da utilização metabólica dos nutrientes energéticos, para suprir as necessidades do organismo. Além disso, desde o ponto de vista evolutivo, os indivíduos com genes "austeros" ou "poupadores" podem ter sido favorecidos, já que a função reprodutora está dependente das reservas energéticas e as pessoas mais resistentes à desnutrição podem ter sobrevivido em maior proporção, durante as épocas de falta de alimentos. Por último, a co-existência de obesidade em vários membros da mesma família, confirma a participação da herança genética na incidência da obesidade. A probabilidade de que os filhos sejam obesos quando os pais o são, foi estimada em alguns estudos obtendo-se percentagens entre 50% e 80%. Confirmam essa hipótese tanto o fato de existirem indivíduos com uma alteração na termogénese, no metabolismo basal ou na activação simpática, como a constatação de poderem os fatores genéticos modificar os efeitos da atividade física sobre o peso e a composição corporal.

    Fonte:

    http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-52732004000300006&lng=pt&nrm&userID=-2

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  6. Excelente postagem acerca do Hongerwinter, ou “Inverno da Fome, em que destacou-se a causa multifatorial da obesidade, em especial, a causa genética, que predispõe indivíduos desde cedo e jovens a sobrepeso ou mesmo obesidade.
    Uma das hipóteses que ligou a genética à obesidade, foi proposta pelo geneticista James V. Neel, da Universidade de Michigan. Ele ressaltou que indivíduos com genes promotores da deposição de lipídeos, foram favorecidos em épocas de escassez alimentar (como o Inverno da Fome), assim a seleção natural, recrutou os indivíduos mais adaptados àquela condição instalada, sobrevivendo decorrente da lipólise gradativa. Quando essas condições foram eliminadas, estes indivíduos depositaram lipídeos em condições elevadas, proporcionando o sobrepeso/obesidade.
    té o momento, mais de 400 genes já foram relacionados a essa doença e o chamado Mapa Gênico da Obesidade Humana continua se desenvolvendo rapidamente a cada ano, à medida que se identificam novos genes associados à obesidade.
    Outro aspecto elencado brilhantemente, é: "... O aumento do tecido adiposo interfere em todas as fases de desenvolvimento do bebê, desde a embrionária até o parto. Dessa forma, o excesso de tecido adiposo materno, por ser capaz de comprometer a programação metabólica fetal, predispõe os filhos de mulheres obesas a serem futuros obesos e diabéticos, perpetuando, assim, o ciclo da obesidade", ressalta a pesquisadora Dra. Janaína Pacheco Jaeger, Doutora em Genética e Biologia Molecula.
    Nesse contexto em que a genética possui um forte influência para o desenvolvimento da obesidade, é notório que uma alimentação balanceada e adequada, agregada a práticas de saúde diárias, são indispensáveis para boas condições de saúde preservando a qualidade de vida e a promoção da saúde.

    FONTE:
    Entenda por que genética e obesidade andam lado a lado. Disponível em http://idmed.terra.com.br/dieta-e-boa-forma/emagrecimento/entenda-por-que-genetica-e-obesidade-andam-lado-a-lado/heranca-genetica.html Acesso 04 Nov 2014.

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  7. Interessante a conexão feita entre a propensão genética à obesidade e a desnutrição. Apear dessa propensão ser rara, é necessário estudar-la não só com o objetivo de tratamento como de entender o corpo humano.

    O gene LY86 estava entre um grupo de 100 genes identificados como contribuintes para a obesidade através de estudos de associação ampla de genoma comparando o DNA de milhares de indivíduos obesos e magros.

    O líder da pesquisa Shaoyong Su analisou grupos cada vez maiores de indivíduos obesos em comparação com magros e encontrou LY86 consistente e quimicamente alterado, ou metilado, nos indivíduos obesos. "A associação é sólida, a metilação deste gene é importante para a obesidade", afirma.

    É sabido que a obesidade é hereditária, que se os pais são obesos, as crianças estão em maior risco. "No entanto o ambiente, incluindo alimentos ricos em gordura e exposição química também pode colocar as pessoas em risco", explica o pesquisador. A metilação é uma forma de o corpo se ajustar ao seu ambiente.
    http://www.isaude.net/pt-BR/noticia/34194/geral/cientistas-dos-eua-identificam-gene-alterado-em-individuos-obesos

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  8. A primeira hipótese que ligou a genética à obesidade foi proposta há 51 anos pelo geneticista James V. Neel, da Universidade de Michigan. De acordo com essa hipótese, os antepassados que apresentassem genes promotores de deposição de gordura poderiam ter sido favorecidos durante as épocas de escassez alimentar, como a situação do Hongerwinter citada na postagem, uma vez que aqueles mais resistentes à desnutrição teriam sobrevivido em maior proporção.
    "Sabe-se que a predisposição genética tem um papel importantíssimo na obesidade, assim como é amplamente aceito que o estilo de vida, bem como fatores ambientais, têm influência no balanço energético positivo e na deposição de gordura. Diz-se, então, que a obesidade é uma característica multifatorial, estando sob a influência de fatores sociais, comportamentais, culturais, fisiológicos, metabólicos e genéticos, todos interagindo entre si", afirma Janaína Pacheco, pesquisadora da genética de obesidade.
    Sendo assim, os profissionais que irão atuar no tratamento de uma pessoa obesa devem ter conhecimento desses múltiplos fatores, inclusive o fator genético, para que o tratamento seja mais eficaz. Torna-se fundamental, portanto, uma formação com esses profissionais, principalmente em nível de atenção básica. Além disso, ter consciência desses fatores genéticos ajuda também a diminuir o preconceito com a pessoa obesa, já que se entende que a condição em que vive não é necessariamente por escolha ou desleixo.
    Fonte: http://idmed.terra.com.br/dieta-e-boa-forma/emagrecimento/entenda-por-que-genetica-e-obesidade-andam-lado-a-lado.html

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